Você já ouviu falar do
golpe do bilhete premiado? Uma pessoa chega para a outra e diz que tem um
bilhete premiado da loteria. Ela diz que não sabe como receber, por isto se
propõem a vender por preço baixo.
Burrinha, ela. Não é? É o
que pensa a vítima do golpe. Ela acredita no que o outro diz. Pior, ela quer
ganhar dinheiro fácil – ganância.
Em poucos minutos a vítima
fica com o bilhete falso e o vigarista vai embora rindo, com o dinheiro no
bolso.
O jogo é este. Quem engana
se faz de bobo. Quem é enganado se acha esperto.
Existem golpes mais
sofisticados. Envolvem empresas fantasmas, organizações fraudulentas, etc.
O que você tem que saber é
que na maioria das situações os vigaristas precisam de credulidade, ganância e de ego inflado (a vítima deve se sentir em melhor condição que os vigaristas).
Abaixo trago um trecho do
livro “Pense como um Freak”, editora Record.
“Prezado(a)
Sr./Sra., CONFIDENCIAL:
Sou
funcionário do Departamento de Energia de Lagos, Nigéria. Obtive suas
coordenadas em um catalogo telefônico da Câmara de Comercio e Indústria quando
buscava uma pessoa CONFIÁVEL e HONESTA para propor o seguinte negócio.
No
processo de licitação de um contrato de eletrificação de centros urbanos, alguns
colegas e eu superfaturamos os valores. 0 TOTAL SUPERFATURADO está seguramente
em nosso poder.
Entretanto,
decidimos transferir esse dinheiro, 10,3 milhões de dólares americanos, para
fora da Nigéria. Assim, buscamos um parceiro estrangeiro confiável, honesto e
que não seja ganancioso para usar sua conta bancária na transferência dos
fundos. E concordamos em que 0 TITULAR DA CONTA FICARÁ COM 30% do valor total.
Se
o Sr./Sra for capaz de efetuar a transação sem contratempos ou imprevistos,
poderemos confiar no acordo. Por favor, mantenha total CONFIDENCIALIDADE e
evite quaisquer vias que possam comprometer-nos aqui e assim por em risco nossa
carreira.
Se
for do seu interesse, por favor entre em contato conosco imediatamente neste
endereço de e-mail para mais detalhes e mais fácil comunicação.”
Alguma vez você recebeu um
e-mail desse tipo? Claro que sim! Provavelmente há um deles abrindo caminho na
direção da sua caixa de correio neste exato momento. Se não for um funcionário,
o suposto remetente será um príncipe deposto ou a viúva de um bilionário. Em
qualquer caso, o autor da iniciativa está para entrar na posse de milhões de
dólares, mas precisa de ajuda para extrai-los de uma burocracia rígida ou de um
banco que se recusa a cooperar.
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E aí que você entra. Se
mandar as informações sobre a sua conta bancária (quem sabe acompanhadas de
algumas folhas em branco de papel timbrado do referido banco), a viúva ou o príncipe
ou o funcionário governamental poderá com segurança enviar o dinheiro para sua
conta até que tudo se resolva. Existe a possibilidade de que você tenha de
viajar para a África para tratar da papelada. Talvez também precise desembolsar
alguns milhares de dólares em despesas iniciais. Claro que será regiamente
recompensado.
Tentado pela oferta?
Esperamos que não. Esse tipo de golpe é a maior fria, e vem sendo praticado há
séculos, com diferentes variações. Uma das primeiras versões era conhecida como
Prisioneiro Espanhol. 0 vigarista se fazia passar por uma pessoa rica
encarcerada por engano ou injustamente privada dos seus bens. Uma enorme
recompensa seria oferecida ao herói que pagasse por sua libertação. Nos velhos
tempos, o golpe era praticado por via postal ou contatos pessoais, hoje em dia,
sobrevive basicamente na internet.
O nome pelo qual em geral
é conhecido esse tipo de crime é fraude da taxa antecipada, ou, mais comumente
ainda, carta nigeriana ou fraude 419, número de um parágrafo do Código Penal da
Nigéria. Embora a fraude da taxa antecipada seja praticada em muitos lugares,
seu epicentro aparentemente é a Nigéria: são mais frequentes golpes virtuais
dessa natureza mencionando a Nigéria do que todos os outros países juntos. Na
verdade, essa ligação ficou tão manjada que se você digitar “Nigéria” em uma
ferramenta de busca, a função automática provavelmente irá encaminha-lo para
“golpe nigeriano”.
O que pode levá-lo a se
perguntar: se o golpe nigeriano é tão conhecido, por que um vigarista nigeriano
teria interesse em apregoar que é da Nigéria?
Foi a pergunta que se fez
Cormac Herley. Cientista da computação no departamento de pesquisas da
Microsoft, há muito ele vem investigando as maneiras como os fraudadores fazem
uso indevido da tecnologia. Num emprego anterior, na Hewlett-Packard, um dos
seus objetos de interesse eram as impressoras cada vez mais sofisticadas usadas
para falsificar dinheiro.
Herley não tinha dado
muita atenção ao golpe nigeriano até ouvir comentários a respeito dele vindo de
duas pessoas com perspectivas diferentes. Uma delas falava dos milhões ou mesmo
bilhões de dólares que esses vigaristas ganhavam. (É difícil encontrar números
exatos, mas os êxitos alcançados até agora pelos vigaristas nigerianos já foram
suficientes para levar o Serviço Secreto americano a criar uma força-tarefa; uma
vítima na Califórnia perdeu 5 milhões de dólares.) A outra pessoa achava que
esses nigerianos deviam ser muito burros para enviar e-mails com histórias tão
absurdas.
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Herley ficou se
perguntando como essas duas afirmações podiam ser verdadeiras ao mesmo tempo.
Se os golpistas são tão tolos e seus e-mails um golpe tão óbvio, como é que
podem ter êxito? “Diante de uma aparente contradição”, diz ele, “a gente começa
a investigar, tentando encontrar um mecanismo pelo qual ela de fato faça
sentido.”
Ele começou a examinar o
golpe do ponto de vista dos golpistas. Para alguém interessado em cometer fraudes,
a internet foi um presente dos deuses. Ficou fácil conseguir uma infinidade de
endereços de e-mail e imediatamente enviar milhões de cartas servindo de isca.
De tal maneira que o custo para entrar em contato com possíveis vítimas é
incrivelmente baixo.
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Digamos que para cada 10
mil e-mails mal-intencionados enviados, cem pessoas mordam a isca e respondam.
As 9.900 pessoas que jogaram o e-mail no lixo não custaram nada. Mas agora o
golpista começa a investir seriamente nas cem vítimas em potencial. A cada uma
delas que cai em si, fica assustada ou simplesmente perde o interesse, a margem
de lucro diminui.
Quantas dessas cem pessoas
acabarão de fato pagando alguma coisa ao golpista? Digamos que uma delas vá até
o fim. As outras 99, na linguagem da estatística, são falsos positivos.
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As fraudes pela internet
nem de longe são o único terreno assombrado por falsos positivos. Cerca de 95%
dos alarmes de roubo atendidos pela polícia americana são falsos. O que
corresponde a 36 milhões de falsos positivos por ano, a um custo de
aproximadamente 2 bilhões de dólares. Na medicina, a preocupação com os falsos
negativos é justificada - por exemplo, uma doença fatal que não seja
diagnosticada -, mas os falsos positivos também representam um grave problema.
Um estudo constatou um índice surpreendentemente alto de falsos positivos (60%
no caso dos homens, 49% no das mulheres) entre pacientes que se submetiam
regularmente a exames preventivos do câncer de próstata, pulmões, cólon e
ovário. Uma força-tarefa chegou a sustentar que os exames preventivos de câncer
de ovário em mulheres saudáveis deviam ser suspensos, pois não são muito
eficazes, para começar, e além do mais os falsos positivos causam a muitas
mulheres “danos desnecessários, como cirurgias”.
Um dos falsos positivos
mais inquietantes dos últimos anos ocorreu no campo da segurança informática,
bem conhecido de Cormac Herley. Em 2010, o programa de antivírus McAfee
identificou um arquivo malévolo em uma enorme quantidade de computadores que
utilizavam o sistema operacional Windows, da Microsoft. Rapidamente o programa
tratou de atacar esse arquivo, fosse deletando-o ou deixando-o em quarentena, a
depender da configuração de cada computador. Só havia um problema: o arquivo
não era malévolo, sendo na verdade um componente fundamental da função de
inicialização do Windows. Ao atacar equivocadamente um arquivo saudável, o
programa antivírus levou “milhões de computadores a serem reinicializados
constantemente sem sucesso”, diz Herley.
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Como, então, um vigarista
nigeriano pode minimizar seus falsos positivos?
Herley valeu-se de sua
capacidade em matemática e informática para estabelecer um modelo a partir
dessa pergunta. Nesse processo, identificou a mais valiosa característica em
uma potencial vítima: a credulidade. Afinal, quem mais, senão uma pessoa
profundamente crédula, enviaria milhares de dólares a um estranho em outro continente,
com base exclusivamente em um e-mail muito estranho sobre uma fortuna de origem
duvidosa?
Como poderia um vigarista
nigeriano, simplesmente examinando milhares de endereços de e-mail, decidir
quem é crédulo e quem não é? Impossível. Nesse caso, a credulidade é uma
característica inobservável. Mas
Herley se deu conta de que o golpista pode convidar as pessoas crédulas a se
revelarem.
Como?
Mandando uma carta tão
ridícula - com direito a referências bem evidentes à Nigéria - que só uma pessoa crédula poderia levar a sério. Qualquer um com um mínimo de senso ou
experiência imediatamente jogaria no lixo um e-mail assim. “O golpista quer
encontrar aquele sujeito que não ouviu falar de nada”, diz Herley. “Qualquer um
que não role de tanto rir é exatamente aquele a quem ele quer se dirigir.”
Eis como Herley explicou a
coisa em um trabalho científico: “O objetivo do e-mail não é tanto atrair
usuários viáveis, mas rechaçar os não viáveis, que são em número muitíssimo
maior. (...) Uma redação menos suspeita, sem mencionar a Nigéria, certamente
obteria maior número de respostas e respostas mais viáveis, mas globalmente com
menor proveito. Aqueles que se deixam enganar por algum tempo mas acabam
descobrindo, ou então desistem diante do último obstáculo, são precisamente os
falsos positivos mais arriscados, que o golpista precisa a todo custo evitar."
Se o seu primeiro impulso
foi pensar que os golpistas nigerianos são burros, talvez você esteja
convencido, como Cormac Herley, de que esse é exatamente o tipo de burrice a
que todos deveríamos aspirar. Os ridículos e-mails dos golpistas, na verdade,
são absolutamente brilhantes quando se trata de fazer com que ... (se revelem
os perfis psicológicos que eles desejam).
Dito isso, o fato é que
esses homens são ladrões e escroques. Por mais que admiremos sua metodologia,
fica difícil festejar sua ação. Assim, agora que já sabemos como funcionam suas
jogadas, haveria alguma maneira de voltar sua metodologia contra eles próprios?
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Herley acredita que sim.
Ele registra com aprovação uma pequena comunidade online de “caçadores de
golpistas” que deliberadamente atraem os vigaristas nigerianos para fazê-los
perder tempo em longas trocas de e-mail. “Eles o fazem basicamente para se
vangloriar depois”, diz. Herley gostaria que esse tipo de iniciativa se
disseminasse graças à automação. “O que se pretende é construir um chatbot”,
diz ele, “um programa de informática capaz de conversar com alguém. Já há
algumas experiências nesse sentido - por exemplo, existe um chatbot
psicoterapeuta. O desejável é construir algo que ocupe o vigarista do outro
lado, conseguindo segurá-lo um pouco. Não é preciso mantê-lo conversando durante
vinte trocas de e-mail, mas se toda vez ele tiver de se esforçar um pouco, já é
ótimo.”
Em outras palavras, Herley
gostaria que algum esperto programador se fizesse de burro para passar para
trás um esperto golpista que também finja ser burro para encontrar alguma
vítima que, ainda que não seja burra, seja extremamente crédula.
O chatbot de Herley
entupiria o sistema de um golpista desses com falsos positivos, praticamente
impossibilitando-o de encontrar uma vítima real. Seria mais ou menos como
cobrir os jardins dos Vigaristas com milhões e milhões de ervas daninhas.
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Quase cair nesse golpe uma vez, e não tão mal elaborado assim!
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